Há assuntos sobre os quais a gente só se arrisca a escrever depois que passa dos três quartos de século… Vou completar 75 anos em menos de dois meses– e resolvi enfrentar um desses: a felicidade.
A maioria das pessoas deseja ser feliz; poucas realmente o são.
Algumas imaginam, em determinado momento da vida, que são felizes mas descobrem, anos depois, às vezes no fim da vida, que de fato não eram – em geral porque vieram a contemplar, ou mesmo viver por um tempo, uma vida que era muito mais florescente, realizada, plena do que aquela que antes viviam.
Outras só encontram a verdadeira felicidade quando o fim da vida já aparece no horizonte – e o tempo para desfruta-la está escasso.
Outras professam não saber no que consiste a felicidade. O conceito lhes parece vago, impreciso. Não lhes fornece uma diretriz clara e precisa sobre onde procura-la.
Outras chegam a negar que a felicidade exista. São pessimistas, por natureza ou experiência.
E ainda outras, por fim, afirmam que a felicidade é algo relativo, que varia com o local, com o tempo, ou mesmo com o indivíduo singular. Segundo elas, tudo (ou seja, qualquer coisa) pode representar a felicidade. “Happiness is different things to different people, that’s what happiness is”, dizia a canção famosa, interpretada pela Orquestra e Coro de Ray Coniff, nos anos de minha juventude [i].
No entanto, é possível fazer, com certa cautela, algumas afirmações que parecem, se não verdadeiras, razoáveis. Uma delas é que, para ser feliz, não basta querer ser feliz – embora sem querer ser feliz dificilmente se consiga ser feliz. A felicidade é algo que é preciso querer, desejar, buscar, perseguir, encontrar, conquistar, manter, preservar, aperfeiçoar, aprimorar. A Declaração de Independência dos Estados Unidos afirma que, por sermos humanos, temos três direitos naturais inalienáveis: o direito à vida, o direito à liberdade, e o direito… não à felicidade, mas, sim, à busca da felicidade. A vida nos é dada sem que façamos algo para merecê-la; a liberdade é algo que naturalmente temos, mas que precisamos lutar para preservar e ampliar (o seu preço é a eterna vigilância, segundo disse, pelo que consta, Thomas Jefferson). Mas a felicidade, esta precisa ser querida, desejada, buscada, perseguida, e, uma vez encontrada, ainda ser conquistada, mantida, preservada, aperfeiçoada, aprimorada.
Outra coisa que parece ser possível afirmar com razoabilidade é que a felicidade é um estado duradouro, não intermitente. Não se está hoje feliz, amanhã infeliz. A felicidade não se confunde com a alegria e o contentamento, que podem ser fugazes, voláteis – ela é resistente, resiliente. É verdade que mesmo os mais felizes têm momentos de tristeza e descontentamento. Mas a felicidade perdura através deles.
Uma terceira coisa que parece ser lícito afirmar, porque razoável, é que a felicidade não é algo que se alcança baixando nossas expectativas, reduzindo nossos desejos em quantidade e intensidade, para que tenhamos menos possibilidades de nos frustrar… A felicidade verdadeira é aquela que decorre daquilo que é melhor dentro de nós –the best within us…
Por fim, uma quarta coisa que parece clara tem dois polos.
De um lado, a felicidade não é algo inato, que nasce com alguns e não com outros. Qualquer um pode ser feliz, mesmo sem ter nascido em berço esplêndido, mesmo sem ter sido dotado, ao nascer, de uma aparência física bela e sem ter os ingredientes básicos de uma personalidade charmante e, por isso, atraente, etc.
De outro lado, a felicidade não é algo com o qual a gente topa ou tromba sem querer, por acaso. Para encontrá-la é preciso certo preparo – caso contrário, ela passa por você e você nem percebe…
Desses dois fatos — de que a felicidade não é, de um lado, algo decorrente de características inatas nossas, nem, de outro lado, algo que se encontra sem querer, por acaso, um jogo no qual a gente, se ganhar, é por sorte, como numa loteria – se conclui que a felicidade é algo que é preciso aprender.
A dificuldade está nessas duas perguntinhas simples: Como? Onde? Como é que se aprende a ser feliz? E onde se aprende a ser feliz? Na escola? Na vida, vivendo?
Quero sugerir neste artigo que todos podem, em princípio, alcançar a felicidade, se forem capazes de resolver a contento duas questões básicas: a primeira, uma questão no plano dos fins; a segunda, uma questão no plano dos meios.
A questão no plano dos fins implica definir, com razoável clareza e precisão, mesmo que não com total finalidade, o que cada um quer fazer de sua vida, aonde ele quer chegar com ela, qual é o destino a que, tendo chegado lá, ele pode dizer como São Paulo: “Combati o bom combate, acabei a carreira” – cheguei aonde queria chegar, cumpri a missão que me impus, estou realizado, pleno… A questão no plano dos fins é uma questão, portanto, de projeto de vida. Se você não sabe aonde você quer chegar, qualquer destino serve, qualquer caminho leva você lá.
A questão no plano dos meios implica reconhecer que, definidos os fins, os meios de chegar lá também são extremamente importantes. Não é qualquer caminho que serve. Na busca de nossos objetivos, não é, por exemplo, atropelando os outros, passando por cima deles, que vamos alcançar a felicidade.
Eu tenho um quadrinho que diz “La felicidad no es un destino: es una forma de caminar…” Parece verdadeiro, mas não o é, pelo menos não totalmente, porque a felicidade é um destino, sim, mas é um destino ao qual apenas se chega caminhando-se de uma certa forma, caminhando do jeito certo. Sugiro qual é essa forma de chegar à meta da felicidade: com serenidade, coragem e sabedoria, como diz a famosa “Oração da Serenidade”: “Deus, dá-me serenidade para suportar o que não pode ser mudado; coragem para enfrentar e mudar aquilo que precisa e pode ser mudado; e sabedoria, para distinguir um do outro.”
[i] Vide a letra em https://genius.com/Ray-conniff-happiness-is-lyrics.
Em São Paulo, 30 de Julho de 2018