Interessei-me por esta questão em 1976. Na época eu era Diretor Associado e Coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UNICAMP e firmamos um Convênio de Cooperação e Permuta Temporária de Professores com a Bowling Green State University, de Bowling Green, Ohio – um lugar interessante, numa planície ao oeste de Cleveland, não muito longe da casa da minha filha, que fica ao leste. O primeiro professor a vir de Bowling Green para a UNICAMP foi o Prof. Dr. Morris Joseph Weinberger, da área de Administração e Supervisão Educacional. Creio que veio em 1976, mesmo, ou, o mais tardar, no ano seguinte. (Em 1981 eu retribuí a visita passando três meses lá, dando um curso de História da Educação Brasileira). Em Campinas, assisti a várias aulas do Prof. Weinberger, e, em alguns casos, até ajudei na tradução (embora na época ainda não fosse Tradutor Público Juramentado e Intérprete Profissional, como sou hoje).
Fiquei interessado em especial em um Questionário que ele aplicava acerca dos Objetivos da Educação Escolar Básica (K-12). O Questionário não era realmente um questionário – não tinha questões ou perguntas. Era uma lista de vinte possíveis objetivos para a escola básica que as pessoas precisavam hierarquizar do mais para o menos importante. O mais importante objetivo para a escola básica, dentre os vinte da lista, iria para o primeiro lugar, e a seguir os demais, em ordem de menor importância. Os objetivos que fossem colocados nos últimos lugares, digamos, em décimo nono e vigésimo lugar, representariam condições que o respondente não considerava, realmente, que devessem ser objetivos da escola básica – ficariam fora ou além (ou, quem sabe, aquém) de seu escopo.
Na média das aplicações dos Questionários para professores e alunos brasileiros, os objetivos que em geral ficavam nos dois primeiros lugares eram coisas do seguinte tipo: “Ajudar os alunos a aprender a aprender, para que possam aprender sempre”, “Conscientizar os alunos da importância de lutar por uma sociedade melhor e mais justa”, etc. Tudo muito politicamente correto, antes do tempo. Os dois objetivos que infalivelmente ficavam nos dois últimos lugares, alternado-se no vigésimo lugar, eram: “Ajudar os alunos a encontrar uma carreira ou profissão que lhes possa trazer sucesso financeiro” e “Ajudar os alunos a alcançar felicidade e realização pessoal”. Professores e alunos americanos apresentavam significativas diferenças na média de suas respostas. Aqui no Brasil parecia ser pecado capital para a escola ajudar os alunos a escolher carreira ou profissão adequada, ganhar dinheiro e encontrar a felicidade (mesmo sem pressupor que é o dinheiro que traz a felicidade).
Pareceu-me absurdo que o último objetivo mencionado no parágrafo anterior (relativo à felicidade e à realização pessoal) ficasse, aqui no Brasil, consistentemente em um dos dois últimos lugares. Para mim, já naquela época, deveria estar entre os primeiros lugares, se não no primeiro.
Introduzi o uso do Questionário na minha disciplina de Filosofia da Educação I (EP-130), ministrada sempre no primeiro semestre do ano para alunas ingressantes no Curso de Pedagogia (falo em alunas, no feminino, porque, em geral, 38 dos 40 alunos eram mulheres). Apliquei o teste por cerca de vinte anos. Acabou o Regime Militar, começou a chamada Nova República, e o resultado se manteve. Só que agora, na minha disciplina, eu usava a média das respostas como excelente trampolim para a discussão da questão mais geral dos Objetivos da Educação e da questão mais estreita dos Objetivos da Educação Escolar, em especial no Nível Básico (K-12).
A principal razão do meu espanto com os resultados da aplicação do Questionário aqui no Brasil estava no fato de que, 2.500 anos atrás, entre os Gregos Clássicos, já se defendiam as teses de que nós vimos ao mundo para ser felizes, e de que a felicidade consiste, não meramente em viver ou sobreviver, ainda que em prazer e não em dor e sofrimento, mas, isto sim, em florescer na vida, em viver uma vida virtuosa que leva à realização daquilo que escolhemos como nosso projeto de vida. Uma vida desse tipo leva à felicidade, entendida como realização e plenitude: como eudaemonia[i].
É verdade que, depois dos Gregos, vieram os Romanos e, durante o domínio destes na Antiguidade, o Cristianismo, que, em algumas de suas facções, fez questão de contrariar os Gregos, defendeu a tese de que não fomos criados para ser felizes, mas para glorificar a Deus, e que a vida, aqui na Terra, o mais das vezes, não passava de um “Vale de Lágrimas”, em que o sofrimento ajudava a purgar a culpa decorrente do pecado original de nossos primeiros pais e dos nossos próprios pecados, inevitáveis, dos quais não haveria como como nos libertar por nós mesmos, ainda que o quiséssemos e tentássemos. O Cristianismo, em algumas de suas tendências, teve a má ideia de adotar o auto flagelamento e até mesmo a auto mutilação, junto de iniciativas mais brandas como o e eremitismo e o monasticismo, que sempre envolveram a fome (o jejum), as penitências, as peregrinações, etc. – coisas que em nada contribuem para a felicidade, em si.
Na Renascença dos séculos 14 e 15, o ideal grego clássico retornou… Mas a Reforma Protestante dos séculos 16 e 17 o combateu. Só foi no Iluminismo do século 18 que a ênfase na felicidade e na auto-realização pessoal voltou a ocupar lugar de destaque. Na Teologia, ela continuou ao longo do século 19, com o Liberalismo Teológico. Mas, em meados do século 19, o Socialismo, que perdurou até o século 20 e mesmo depois, voltou a considerar a busca da felicidade e da auto-realização pessoal como algo egoísta, que deve ser deixado de lado em favor da solidariedade altruísta, do colocar o outro na frente da gente…
Há poucos dias (na verdade, em 22/07/2018), a Paloma, minha mulher, compartilhou no Facebook uma notícia de que a Universidade de Brasília (UnB) estaria inovando de forma radical com um curso sobre a Felicidade. A notícia foi dada pelo site Metrópoles, e tinha o seguinte título: “‘Felicidade’ será nova disciplina da UnB a partir do próximo semestre” [i]. Dos que leram a notícia, pouquíssimos a amaram, alguns se surpreenderam, vários simplesmente curtiram, alguns inevitavelmente fizeram gozação, e uns poucos pareceram levar a sério a proposta [ii].
Vamos ver no que dará essa proposta da UnB. A conferir.
NOTAS
[i] Vide, neste contexto, o excelente livro The Best Within Us: Positive Psychology Perspectives on Eudaimonia, editado por Alan S. Waterman (American Psychological Association, Washington, DC, 2013). Nesse livro, eudaimoniaé definida como: “Eudaimonia is defined in this volume as: flourishing, realization of potentials reflecting the true self, happiness that comes from the pursuit of virtue/excellence” (Eudaimonia é definida neste volume como florescimento, realização de potenciais que refletem o verdadeiro ser da pessoa, e felicidade que advém da busca da virtude/excelência”). Esse resumo é retirado da breve resenha do livro que é fornecida no site da Amazon, sob responsabilidade do site (https://www.amazon.com/Best-Within-Psychology-Perspectives-Eudaimonia/dp/1433812614/).
[ii] https://www.metropoles.com/distrito-federal/educacao-df/felicidade-sera-nova-disciplina-da-unb-a-partir-do-proximo-semestre.
[iii] https://www.facebook.com/palomachaves/posts/10216429663912205.
Em São Paulo, 30 de Julho de 2018